HOMENAGEM
AOS NOSSOS GRANDES POETAS
Sem Diploma
Autor:Jayme Caetano Braun
Bendito aquele que estuda porque estudar é importante, embora o ignorante tem sempre um santo que ajuda, às vezes a sorte muda, quando existe um santo forte, cada qual procura um norte, por isso não encabulo - que a tava que bota culo é a mesma que bota sorte!
Meu tetravô foi fronteiro, meu bisavô domador, o meu avô - alambrador e o meu pai foi carreteiro; a mim não sobrou dinheiro pra cursar a faculdade, mas tive a felicidade graças ao nosso senhor e me tornei payador pra guardar a identidade!
O estudo é muito bonito e até muito necessário, mas este cantor primário, cruzando o pago infinito, continua - a trotezito, mesmo sem ser diplomado e me sinto conformado, o que é meu - ninguém me toma, pois duvido que um diploma torne um burro advogado!
Como é lindo colar grau num salão de faculdade, embora essa qualidade não transforme o bom em mau, o Jayme Caetano Braun, dessa linha não se afasta, a inspiração não se gasta nem me torna mais cruel, eu conquistei um anel o de gaúcho - e me basta!
Gaúcho
Autor:Ruben Sofildo da Silva
Gaúcho é filho do pago Que ama e zela esta terra Fronteira, missões e serra, Campanha e litoral, Recantos do mesmo ideal, Onde se vê o céu azul, Os rios, a mata, a flechinha, Mas tudo é chão farroupilha Tudo é Rio Grande do Sul.
Gaúcho não é ser grosso Ter botas, esporas e mango Usar lenço chimango, Atado frouxo ao pescoço, E andar fazendo alvoroço, Comprando qualquer parada, Gaúcho é ser idealista, Peleiar só por conquista Em defesa da terra amada.
Gaúcho é nome e herança, Que os bravos heróis nos legaram, Que muito mal empregaram Não compreendendo por certo Gaúcho é altivo, esperto, Espontâneo, inteligente, Respeitador bom amigo, Mas quando encontra o perigo, Costuma chegar de frente.
Quem foi Bento Gonçalves? Quem foi David Canabarro? Não foram estátuas de barro, Nem pobres leigos sem eira Quem foi Pinto Bandeira? Eu nesses versos lhe digo, Com altivez e estoicismo, Foram a nata do gauchismo, Do nosso Rio Grande amigo.
HERANÇA
Autor: Apparicio Silva Rillo
"Naqueles tempos, sim, naqueles tempos as casas já nasciam velhas. Naqueles tempos, sim, naqueles tempos,sim naqueles tempos as casas já nasciam velhas. Eram uma casas cálidas, solenes sob as telhas portuguesas, maternais. Em pálidos azuis eram pintadas e em brancos, em ocres e amarelos. Algumas nem mesmo tinham reboco. Na carne dos tijolos mostravam-se nuas, abertas em janelas que espiavam da sombra verde para o sol das ruas.
Naqueles tempos, sim, naqueles tempos tinham balcões e sacadas essas casas e úmidos porões e sótãos com fantasmas. E tinham jasmineiros sobre os muros e acolhedoras latrinas de madeira disfarçadas entre as plantas dos quintais. E laranjeiras e galos e cachorros um barril barrigudo cheio d'água e uma concha de lata para a sede. Nas varandas que eram frescas e abertas a moleza da sesta numa rede...
Naqueles tempos, sim, naqueles tempos as portas eram altas e alto o pé-direito das salas dessas casas. Mas eram simples as pessoas que as casas abrigavam. Os homens chamavam-se Bento, Honorato, Deoclécio, as mulheres eram Carlinda, Emerenciana, Vicentina. Os homens usavam barbas e picavam fumo em rama, as mulheres faziam filhos, bordados e rosquinhas. Os homens iam ao clube, as mulheres À missa, e homens e mulheres aos velórios. Morriam discretamente e ficavam nos retratos.
Naqueles tempos, sim, naqueles tempos a igreja tinha santos nos altares e havia mulheres rezando ao pé do santos. O padre usava uma batina cheia de manchas e botões, batizava crianças, encomendava os mortos, rezava a missa em latim: "Agnus Dei"... e comia cordeiro gordo na mesa do intendente. Os homens ajudavam nas obras da igreja, mas acreditavam mais nas armas que nos santos.
Naqueles tempos, sim, naqueles tempos os chefes eram chamados "coronéis". Ganhavam seus galões debaixo da fumaça em peleias a pata de cavalo, garruchas de um tiro só e espadas de bom aço. As mulheres plantavam flores e temperos pois tinham mesma valia o espírito e o corpo. Sabiam receitas de panelas fartas, faziam velas de sebo e tachadas de doce e de graxas e cinzas inventavam sabão.
Naqueles tempos, sim, naqueles tempos os bois mandavam nos homens, e por isso a vida era mansa na cidadezinha arrodeada de ventos, chácaras e estâncias. Os touros cumpriam devotamente o seu mister e as vacas, pacientes, pariam terneiros e terneiros e terneiros. O campo engordava os bois, as tropas de abril engordavam os homens e os homens engordavam as mulheres.
Por isso a cidade chegou até aqui. Por isso estamos aqui - netos e bisnetos desses homens, dessas mulheres, netas e bisnetas.
Por isso um berro de boi nos toca tanto e tão profundamente. Por isso somos guardiões de casas velhas, almas de sesmarias e de estâncias, paredes que suportam seus retratos.
O músculo do boi na força que nos leva. A barba dos avós como um selo no queixo. O doce das avós na memória da boca e nela este responso:
- Naqueles tempos, sim, naqueles tempos...
A Doma do Potro Baio
Autor: Balbino Marques da Rocha
E um potro baio-amarelo, Que não pelava o lombilho, Com cada um coromilho De assustar um domador, Ali estava no piquete, Esperando algum ginete Pra passar-lhe o maneador!
Mas tinha uma condição: Era, depois de encilhá-lo Deixar tão manso o cavalo Que, palanqueado o bagual Fosse uma china sozinha Dar um nó num fio de linha Na rédea atrás do bocal...
Não se enxergava um campeiro Que agüentasse esse tirão, Porque soltar redomão A um potro de tal topete, Só dá pra fazer picuinha, Inda mais atar a linha De trás do bocal do flete.
Mas como foi se espalhando, A notícia do tal potro, Se pensava num e noutro, E as morenas como um raio, Pois ia ser a rainha Quem atasse o fio de linha De atrás do bocal do baio.
Nisto alguém se levantou, Deu de mão num buçal grosso, Num mango cabo de osso, Num maneador e num laço E foi ali repontar O pingo pra encilhar, O nosso pardo Amigaço.
É que uma ali, cor de cuia, China de trança cuidada, Não quis le dar muita entrada, E o caboclo, de soslaio, Notou que a china estranhava Porque ninguém se ensaiava Pra repicar o tal baio.
Quando o pardo alevantou-se, A chinoca estremeceu... "Se este povo percebeu, Virge Santa, se pareça Que eu fui a causa de tudo, Vou dizer ao chilenudo Que tire isto da cabeça!"...
Mas já o índio de a cavalo, Cruzava lá na cancela... Se via aquela panela De gente redemunhando... Quando o flete disparou Foi que a corda se cerrou Atrás da orelha enforcando.
E com mais uns tironaços, E mais um tino campeiro, O bagual, como um terneiro, Foi recebendo a carona, A cincha juntou-le o basto, Um pelego cor-de-pasto E a sobrecincha de lona.
Bocal sovado a capricho, E rematado em ponteira, Que toda a indiada campeira Tem a sua manha no apero, Cada qual tem seus inventos E até pelo nó dos tentos, Não copeia o companheiro.
Quando orelhavam o baio, E o Amigaço se alçou, O povo se encomendou, Fazendo o pelo-sinal... Mas o Amigaço, mui calmo, Deu um nó na rédea, a um palmo Pra cá das cruz do bagual!
E é melhor nem mais contar... O baio pateou na orelha, Pulando um monte de telha Que ali estava pela frente, E o pardo saiu tenteando, Chapéu na mão, gineteando, Aos olhos daquela gente.
Dali um pouquito, riscou Campo fora se perdendo, A indiada foi se benzendo, Rezando a Deus com fervor, Só bombeando a polvadeira Daquela louca carreira Por detrás dum corredor!
Passou-se mais um bocado De ânsia desengrenada... Lá adiante, junto da estrada, No rebordo de um capão, Amadrinhador do lado - O potro vinha estonteado, Num trote de redomão! ...
Apeou-se meio por longe, Pra não judiar do cavalo, Pois não queria surrá-lo... E o amarrou num moirão, Pedindo prá caboclinha Que no mais atasse a fita Na rédea do redomão!
A moça toda risonha Foi chegando pra o cavalo, E no tentar alisá-lo O baio lambeu-lhe a manga; E depois de atar a linha, Considerou-se Rainha, Vermelha como pitanga!
Virando para o Amigaço, Mesurou-se agradecendo... Mas o pardo foi dizendo: "M'ia dama, não foi o trato... O potro gostou da linha, Perdoe se foi a rainha Por este preço barato!
Não precisa agradecer, Que já me acho bem pago, Naquele bocal eu trago, Atado, o fio da m'ia sorte... Faz de conta que é uma história... Não guarde na sua memória Este índio vago e sem norte!...
Chimarrão
Autor: Glaucus Saraiva
Amargo doce que eu sorvo Num beijo em lábios de prata. Tens o perfume da mata Molhada pelo sereno. E a cuia, seio moreno, Que passa de mão em mão Traduz, no meu chimarrão, Em sua simplicidade, A velha hospitalidade Da gente do meu rincão.
Trazes à minha lembrança, Neste teu sabor selvagem, A mística beberagem, Do feiticeiro charrua, E o perfil da lança nua, Encravada na coxilha, Apontando firme a trilha, Por onde rolou a história, Empoeirada de glórias, De tradição farroupilha.
Em teus últimos arrancos, Ao ronco do teu findar, Ouço um potro a corcovear, Na imensidão deste pampa, E em minha mente se estampa, Reboando nos confins , A voz febril dos clarins, Repinicando: "Avançar"! E então eu fico a pensar, Apertando o lábio, assim, Que o amargo está no fim, E a seiva forte que eu sinto, É o sangue de trinta e cinco, Que volta verde pra mim.
No Bolicho
Autor: Apparicio Silva Rillo
Traga de vez a garrafa, bolicheiro! me despacha, que hoje no mais se emborracha quem nunca se emborrachou. Quero beber no gargalo para esquecer o pialo que o tal de amor me atirou.
Sou índio duro de queda mas fui pegado de jeito. Bateu-me a argola no peito e ali no mais me planchei. Sempre fui solto de pata mas nessa volteada ingrata num tacuru tropecei!
Sucede que eu não sabia quanta manha se requer pra se correr com mulher na cancha reta do amor. Desci confiado pra raia... Perdi pro rabo de saia sem sair do partidor!
Caí no tiro de laço de um olhar de china atrevida, que embuçalou minha vida na armada negra das tranças, pra depois de ter-me preso marcar-me com seu desprezo na picanha da esperança.
Desprezo não há quem cure, não há remédio que impeça, não há reza, nem promessa que lhe conserte o estrago. Por isso, seu bolicheiro, pra aparceirar o primeiro ponha no mais outro trago!
Reza Chucra
Autor: Alcy Cheuiche gentileza de Marcio Leão da Silva extraído do livro Versos do Extremo Sul
Perdoe Virgem Maria Por lhe tomar atenção, Envolvendo um coração Tão puro e tão adorado, Nesta miséria qu'eu trago, Que arrasto, é melhor que diga, Por esta terra inimiga, Onde nunca fui amado.
A Senhora bem se lembra Que nem sempre foi assim...
Embora não fosse em mim Que a fortuna tinha ninho, Eu bem que tive carinho E uma mulher cuidadosa Que me deixava de jeito, Um lenço branco no peito, A bombacha bem limpinha, Quando para a igreja eu vinha, No tempo qu'eu fui feliz.
Agora olhe pra mim. Veja esta roupa rasgada Qu'eu carrego com vergonha. Parece que a gente sonha, Quando vê que não é nada Prá dominar o seu vício Quando eu morava no pago As vezes tomava um trago No mais prá molhá a garganta E agora querida Santa, Até virei cachaceiro, Depois que bebo o primeiro Não há nada que me pare. E depois até que eu sare Vem me subindo a cabeça Toda essa vida passada E o rosto da minha amada Enxergo assim como em sonho...
Ó minha Nossa Senhora, Escute ao menos agora Um pedido que le faço.
Sei que a morte já me ronda Pela porteira do rancho... Até já vejo os caranchos Rodeando em volta de mim.
Reconheço o meu pecado, E quando tiver chegado Lá na fronteira do céu Vão me apontar outro rumo: - Ovelha com mancha preta Bota a marca na paleta Que só serve prá o consumo. -
Prá mim não há mais remédio, Não é prá mim o pedido. Sou índio chucro vencido Pelo vício aqui do povo.
Eu peço é pelo meu filho, Que abandonei lá no pago Quando a sina de índio vago Me arrebatou da querência.
Proteja a sua inocência... Não deixe que o coitadinho Siga este duro caminho Que está seguindo seu pai.
Que fique por toda a vida Grudado naquele chão, Que resista a tentação Com toda a força de machd, Que não morra como guacho Quando pará
Amargo
Autor: Jayme Caetano Braun
Velha infusão gauchesca De topete levantado O porongo requeimado Que te serve de vazilha Tem o feitio da coxilha Por onde o guasca domina, E esse gosto de resina Que não é amargo nem doce É o beijo que desgarrou-se Dos lábios de alguma china!
A velha bomba prateada Que atrás do cerro desponta Como uma lança de ponta Encravada no repecho Assim jogada ao desleixo Até parece que espera O retorno de algum cuera Esparramado do bando Que decerto anda peleando Nalgum rincão de tapera!
Velho mate-chimarrão As vezes quando te chupo Eu sinto que me engarupo Bem sobre a anca da história, E repassando a memória Vejo tropilhas de um pêlo Selvagens em atropelo Entreverados na orgia Dos passes de bruxaria Quando o feiticeiro inculto Rezava o primeiro culto Da pampeana liturgia!
Nessa lagoa parada Cheia de paus e de espuma Vão cruzando uma, por uma, Antepassadas visões Fandangos e marcações Entreveros e bochinchos Clarinadas e relinchos Por descampados e grotas, E quando tu te alvorotas No teu ronco anunciador Escuto ao longe o rumor De uma cordeona floreando E o vento norte assobiando Nos flecos do tirador!
Sangue verde do meu pago Quando o teu gosto me invade Eu sinto necessidade De ver céu e campo aberto É algum mistério por certo Que arrebentando maneias Te faz corcovear nas veias Como se o sangue encarnado Verde tivesse voltado Do curador das peleias!
Gaudéria essência charrua Do Rio Grande primitivo Chupo mais um, pra o estrivo E campo a fora me largo, Levando o teu gosto amargo Gravado em todo o meu ser, E um dia quando morrer, Deus me conceda esta graça De expirar entre a fumaça Do meu chimarrão querido Porque então irei ungido Com água benta da raça!!!
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Chimarrão da Madrugada
Autor: Aureliano de Figueiredo Pinto
Não sei por que nesta noite o sono velho cebruno ergueu a clina e se foi! E eu que arrelie ou me zangue.
Tenho olhos de ave da noite, ouvidos de quero-quero cordas de viola nos nervos e uma secura no sangue.
Então, da marquesa salto e vou direto ao galpão: bato tição com tição e a lavarede clareia os caibros do galpão alto.
Já a cuia bem enxaguada, corto um cigarro daqueles de reacender vinte vezes num trote de quatro léguas de uma chasqueira troteada.
E, quando a chaleira chia, principio um chimarrão, mais verde e mais topetudo do que um mate de barão.
Me estabeleço num banco pra gozar gole e fumaça, pitando um naco de branco. E entre tragada e golito saludo mui despacito cada recuerdo que passa.
Um galo - o cochincho-mestre! o laço desenrodilha. E fica só com a presilha e solta a armada bem grande do laço de um canto largo de sobrelombo a uma estrela.
E os outros galos-piazitos vão atirando os lacitos como em guachas de sinuelo.
E até um garnisé cargoso vai reboleando orgulhoso o soveuzito feioso feito de couro com pêlo.
Nem relincham os cavalos! Com brilhos de ponte-suelas, lá em riba estão as estrelas! Cá em baixo os cantos dos galos.
A estrela d'alva trabalha na imensidão da hora morta: - ou num perfil de medalha ou a maiúscula inicial sobre a prata de um punhal que ainda há de sangrar o dia.
E a "Nova" ao largo se corta, magra, esquilada, arredia, empurrando a guampa torta contra o ventito do Sul, como num campo de azul, a ovelha chamando a cria.
Solito, perto do fogo, como um bugre imaginando, escuto o Tempo rodando sem descobrir o seu jogo.
O perro Baio-coleira faz que cochila... E abre os olhos, a espaços, regularmente. E me fixa os olhos claros como um amigo, dos raros, cuidando do amigo doente.
É um gosto olhar os brasidos E os luxos das lavaredas dançando rendas e sedas para a ilusão dos sentidos. E entre o amargo e a tragada tranqueiam na madrugada tantos recuerdos perdidos.
E o chimarrão macanudo vai entrando pelo sangue! Vai melhorando as macetas, curando as juntas doridas como água arisca de sanga sobre loncas ressequidas.
O peito avoluma e arqueia como cogote de potro. E as ventas se abrem gulosas por cheiro de madrugada. - Potrilhos em disparada num Setembro de alvoroto.
Ah! Sangue velho... Descubro porque hoje estás de vigília: - Dois séculos de Fronteiras. de madrugadas campeiras, de velhas guardas guerreiras bombeando pampa e coxilha!
Por isso é que hoje não dormes! Ouviste a voz de ancestrais: -"O chimarrão principia! Alerta! O campo vigia! Da meia-noite pra o dia Um taura não dorme mais...
Romance do Peão Guerreiro
Autor: José Machado Leal
O rancho era um ninho de paz perdido no verde do pampa. Terêncio era um campeiro, um taura mais guapo que tronco de angico, que vento minuano varrendo coxilhas, nas noites de invernia.
Nada na vida lhe botava medo, sua crença em Deus o fazia grande, saia lindo de qualquer enredo, só não sabia, com o sabe o João Barreiro, que o melhor de tudo era o calor do rancho.
Por isso, quando a quietude dos trevos agitou-se com gritos de guerra, guasqueando, no vento, o pala do moço campeiro sumiu pela estrada do poente.
Por todos os cantos, cantos de guerra, tormentas de cascos, trompaços de potros e o batismo de fogo e sangue que enrijece um vlente. Terêncio um campeiro, um taura!
Mas a carga das lanças trovejando nos campos, borrava de sangue o branco dos lenços. Ferido e sangrando no orgulho e na alma, o moço guerreiro dá-lhe rédeas ao flete e retorna pro pago, pra prenda, pro piá, com aquele mesmo jeito simples que o fez patrão de si mesmo... - Bueno, sem ser covarde, valente, sem ser maleva!
Bem diz o ditado... Em rancho de pobre A vontade dos outros é a vontade da gente!
E, antes mesmo que esvaziasse a primeira chaleira de mate, esbarra no oitão do rancho uma patrulha com voz de prisão... - Desertor, covarde!
Terêncio pisa miúdo, mas não se enreda, é cuera que não cabresteia, mania antiga de trançar com gosto e jeito os tentos da honra, para que, depois, ninguém diga que ele fora covarde.
De novo, a adaga manheira rebilha na mão de Terêncio. O terreiro do rancho um campo de guerra, tinidos de aço, fazendo cadência, barbarizam a destreza dos machos.
Depois, a tormenta que cessa e os homens que foram valentes, agora, tintos de sangue, estendidos na terra, jã não vivem para os sonhos bonitos que um dia sonharam.
Somente o menino campeiro, olhos molhados, tristonhos, vai guardando, na memória, os conselhos que o pai deixou...
- Meu filho, não te esqueças nunca, que palavra de gaúcho é que nem reza sagrada e, um fio de bigode, vale mais que juramento! Isso, eu te deixo como herança e, para guardá-la, se preciso for, eu estarei em ti, para pelear de novo!
Desde então, na Semana Farroupilha, netos, bisnetos, tetranetos desses homens se perfilam para reverenciá-los. Eles vestem bombachas, montam a cavalo, festejam e cantam...
- Como aurora precursora do farol da divindade, foi o "Vinte de Setembro" o precursor da liberdade!
Último Pouso
Autor: Luís Menezes gentileza de Ivan Ramires
A morte é china maleva Traiçoeira que até dá pena Vive a pealar gente buena Sem se importar com o gaudério Não sei que estranho mistério Na minha emoção se espelha Quando minha alma se ajoelha Ante a Cruz de um cemitério
Fico por horas bombeando Fingindo frases ficticias Que ali ficam com as noticias Penduradas sobre a losa Dizendo ó tu boa esposa Dorme em paz aos pés de Deus Que dirão então os meus De mim que sou qualquer coisa
Basta morrer pra ser bueno Basta sofrer pra ser junto Quem nasce ou morre de susto Nem frases fingidas tem E dizer que no além As almas são tão iguais Pra que estes luxos demais Depois que somos ninguém
Mais feliz é a cruz solita longe no ermo da estrada Sem fita sem flor sem nada Marcando o fim de uma vida Fica dormindo aquecida No sol que logo a desbota Sem frase fria ou lorota Nesta sesteada comprida
Gosto da cruz do proscrito Na solidão da campanha Tendo a garrafa de canha Por promessa recebida Me dêem esta cruz perdida Pra que o gaúcho passando Viva sempre me acenando Numa eterna despedida
Tomara que Santo Onofre Seja no céu meu parceiro Garanto que o dia inteiro Vamos beber canha e vinho E assim farei meu cantinho Na invernada do Senhor Serei mais um pecador Tendo um santo por padrinho
Sei que vão falar de mim Por mulherengo ou andejo Mas fica aqui meu desejo Expresso nesta oração Não falem de um coração Que no céu não terá luz E amarrem bem minha cruz Com as cordas do meu violão.
O Sonho do Carreteiro
Autor: Luiz Menezes gentileza de Cleonice Reche La Maison
Carreteou anos a fio. Conhecia palmo a palmo as estradas da querência; Sabia onde dava passo - no tempo das enxurradas - aquele arroio sotreta cemitério de carreta disfarçado em água mansa Vira nascer muitos ranchos nesse corredor sem fim.
Sabia que na picada logo depois do lagoão, o umbu do enforcado dera lenda prás estórias dos bolichos, das ramadas.
Sabia bem todo o causo da tapera do repecho: A maula traíra o guasca e este sem dó nem piedade, cortara junta por junta o belo corpo moreno daquela indiazinha louca que se engraçara num piá ...
Mas além, no Passo-feio vira morrer um tal Juca. Eram três contra o rapaz. E como morrerra lindo aquele guasca sem medo ... A estória ficou em segredo pois diz que o tal de mandante era mui relacionado, e até contraparente de um graudaço do povo.
Conhecia palmo a palmo as estradas da querência, sempre fora carreteiro. Envelhecera na lida sem conhecer outra vida sem ter outra ocupação. Tinha por seu ganha-pão a velha carreta amiga companheira de cantiga daquele piazinho vivo que era, alegria e motivo de seu final de existência.
Pois ficaram bem solitos mais amigos do que antes des’que a finada se fora ... Por isso sempre de noite a meia luz do candieiro ficava horas inteiras mostrando prá seu piazinho as letras do ABC.
E o piá com muita memória decorava uma por uma as letras que galopeava, ou por outra, engarupava nas palavras do jornal. Como era esperto o guri: Foi duas, três paletadas já sabia mais que o pai ... E foi numa dessas noites que o velho e bom carreteiro teve um sonho de repente. E quasi num gesto louco gritou prás quatro paredes enfumaçadas do rancho: Meu filho há de ser doutor! Não há de ser carreteiro, pois estas mãos calejadas do peso-bruto, da enxada, hão de sangrar no trabalho prá que este piazinho feio viva melhor do que eu ...
Pura e santa ingenuidade! O arroio-sociedade prá o pobre nunca dá vau!! No outro dia cedinho enveredou para o povo ...
Voltava a velha carreta A resmungar nas estradas na viajada da esperança carregadinha de sonhos. E o pobre e bom carreteiro ia falando de tudo com seu piazinho faceiro dentro da bombacha nova.
Não esquecia de nada nos seus conselhos de pai: Se lá no povo à tardinha o piá sentisse saudade, bombeasse prá o horizonte, que alguém solito decerto meio tristonho é verdade, mateando assim com saudade estaria a lhe esperar ...
Que importa se demorasse, pois nunca ouvira dizer que a tal saudade matasse. Mas nesse dia por certo Quando voltasse doutor tudo havia de mudar. Até o céu com certeza morada das almas puras ouviria com ternura uma indiazinha chorar.
E as estradas da querência que conhecia demais, lhe viram passar feliz com novo brilho no olhar.
Mas lá no povo - cuê-puxa! - Bateu em todas as portas clamou por todos os santos recorreu todos os amigos - muitos dos quais ajudara - andou quase mendigando, Prá dar escola pra o filho mas ninguém quis lhe escutar ... E a esperança foi mermando foi mermando ... e se apagou.
Botou a carreta na estrada o Piazinho dentro dela tocou de volta outra vez. A noite então já chegara. Naquela enrugada cara de gigante das estradas uma lágrima teimosa veio molhar-lhe o nariz ... Olhou o filho com carinho, mas com muito mais carinho Com mais amor do que antes e uma queixa derramou: Quem nasce lutando busca a morte por liberdade!
Mentira! A tal de igualdade não existe por aqui ... Que adianta se amar aos outros se os outros não dão amor? Pega a picana, piazinho e acorda esse boi manheiro, pois filho de carreteiro nunca pode
Eis o Homem
Autor: Marco Aurélio Campos gentileza de Walter Moreira e simultaneamente beto coelho
Brotei do ventre da Pampa que é Pátria na minha Terra. Sou resumo de uma guerra que ainda tem importância.
E, diante de tal circunstância, Segui os clarins farroupilhas E devorando coxilhas, Me transformei em distância. Sou do tipo que numa estrada Só existe quando está só. Sou muito de barro e pó. Sou tapera, fui morada. Sou a velha cruz falquejada Num cerne de curunilha. Sou raiz, sol farroupilha, Renascendo estas manhãs, Sou o grito dos tahas Coejando sobre as coxilhas.
Caminho como quem anda Na direção de si mesmo. E de tanto andar a esmo, Fui de uma a outra banda, E se a inspiração me comanda, Da trilha logo me afasto E até sementes de pasto Replanto pelas vermelhas Estradas velhas parelhas, Ao repisar no meu rastro.
Sou a alma cheia e tão longa, Como os caminhos que voltam Substituindo os espinhos E a perda de alguns carinhos. Velhos e antigos afrontes, Surgiram muitos, aos montes, Nesta minha vida aragana, Destas andanças veterana, De ir descampando horizontes.
Sou a briga de touros No gineceu do rodeio. Improtério em tombo feio, Quando o índio cai de estouro. Sou o ruído que o couro faz, Ao roçar no capim. Sou o rin-tim-tim da espora Em aço templado. E trago o silêncio guardado, Do pago dentro de mim.
Fazendo vez de oratório, Sou cacimba destampada, De boca aberta, calada, Como a espera do ofertório. Como vigia em velório, Que tem um jeito que é tão seu. Tem muito de terra... é céu, Que a gente sente ajoelhando, De mãos postas levantando O pago inteiro para Deus.
Sou o sono do cusco amigo, Dormindo sobre o borralho. Sou vozerio do trabalho, Na guerra ou na paz - sou perigo. Sou lápide de jazigo Perdido nalgum potreiro. Sou manha de caborteiro, Sou voz rouca de acordeona, Cantando triste e chorona, Um canto chão brasileiro.
Sou a graxa da picanha Na bexiga enfumaçada, Sou cebo de rinhonada. Me garantindo a façanha. Sou voz de campanha, Que nos lançantes se some. Sou boi-ta-tá - lobisomem. Sou a santa ignorância. Sou o índio sem infância, Que sem querer ficou homem.
Sou Sepé Tiarajú, Rio Uruguai, rio-mar azul, Sou o cruzeiro do sul, A luz guia do índio cru. Sou galpão, charla, Sou chirú, de magalhanicas viagens, Andejei por mil paisagens, Sem jamais sofrer sogaço. Cresci juntando pedaços De brasileiras coragens.
Sou enfim, o sabiá que canta, Alegre, embora sozinho. Sou gemido do moinho, Num tom triste que encanta. Sou pó que se levanta, Sou raiz, sou sangue, sou verso. Sou maior que a história grega. Eu sou Gaúcho, e me chega P'rá ser feliz no universo.
e ser doutor!!
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